Principais aspectos jurídicos do cancelamento da hipoteca
A hipoteca é direito real sobre coisa alheia, previsto no art. 1.225 do Código Civil, e pode ser classificada em legal e convencional.
- Colunistas
- Andressa Cristine da Silva
- 05 de fevereiro de 2021
- Atualizado em: 05 de fevereiro de 2021
- Tempo de Leitura: 5 minuto(s)
Alguns aspectos sobre o cancelamento da hipoteca
Depois da propriedade, talvez, um dos direitos reais de garantia mais conhecidos, seja a hipoteca, cuja raiz histórica encontra-se datada, de maneira mais clara, em meados do século VI, no Código de Justiniano, com o surgimento do termo hypotheca.
Ainda que na atualidade, ao se falar em imóveis, a garantia mais utilizada seja, de fato, a alienação fiduciária, não se pode ignorar a popularidade do instituto ainda nos dias atuais.
A hipoteca afigura-se como direito real sobre coisa alheia e foi mantida no rol de direitos reais do artigo 1.225 do atual Código Civil Brasileiro.
Silvio de Salvo Venosa, de forma objetiva tece os seguintes comentários acerca do instituto jurídico:
A hipoteca, como direito real acessório de garantia, mantém os mesmos preceitos da última fase do Direito Romano. Aplicam-se-lhe os princípios gerais estabelecidos no Código (arts. 1.419 a 1.430). Tal como os outros direitos de igual natureza, a hipoteca é acessória a uma garantia e indivisível. Considera-se direito real a partir do registro imobiliário. Enquanto não registradas, as hipotecas são válidas e eficazes como garantia estabelecida unicamente entre as partes, tendo, portanto, alcance real limitado ou meramente obrigacional, princípio que se mentem como regra geral”. (Direito Civil: reais. Silvio de Salvo Venosa. 17 ed. São Paulo: Atlas. 2017).
1. Classificação da hipoteca: hipoteca legal ou convencional
Antes de adentrar ao tema especificamente, contudo, faz-se necessária uma especificação. Nos termos da legislação vigente, desse modo, a hipoteca pode ser classificada em:
- hipoteca convencional;
- hipoteca legal.
Dito isso, enfim, a partir dos apontamentos doutrinários citados acima, extrai-se que, para a configuração efetiva da hipoteca como um direito real, é imprescindível que haja o registro desta junto à matrícula do imóvel dado em garantia.
Tal situação acaba se desdobrando na problemática em torno do cancelamento do mencionado registro, ou como comumente é chamado esse procedimento, da baixa da hipoteca.
2. Prazo de cancelamento da hipoteca
A Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) normatiza, então, o prazo de validade e as condições para o cancelamento da hipoteca, veja-se:
Art. 238 – O registro de hipoteca convencional valerá pelo prazo de 30 (trinta) anos, findo o qual só será mantido o número anterior se reconstituída por novo título e novo registro.
[…]
Art. 251 – O cancelamento de hipoteca só pode ser feito:
I – à vista de autorização expressa ou quitação outorgada pelo credor ou seu sucessor, em instrumento público ou particular;
II – em razão de procedimento administrativo ou contencioso, no qual o credor tenha sido intimado (art. 698 do Código de Processo Civil);
III – na conformidade da legislação referente às cédulas hipotecárias.
Por outro lado, a legislação civilista (Código Civil), estabelece as normas de prorrogação da hipoteca e do seu cancelamento, da seguinte forma:
Art. 1.485. Mediante simples averbação, requerida por ambas as partes, poderá prorrogar-se a hipoteca, até 30 (trinta) anos da data do contrato. Desde que perfaça esse prazo, só poderá subsistir o contrato de hipoteca reconstituindo-se por novo título e novo registro; e, nesse caso, lhe será mantida a precedência, que então lhe competir.
[…]
Art. 1.499. A hipoteca extingue-se:
I – pela extinção da obrigação principal;
II – pelo perecimento da coisa;
III – pela resolução da propriedade;
IV – pela renúncia do credor;
V – pela remição;
VI – pela arrematação ou adjudicação.
Portanto, no ordenamento jurídico vigente, a hipoteca possui um prazo de validade máximo de 30 (trinta) anos. Ultrapassado, desse modo, este período, sem a sua renovação por meio da apresentação de um novo título para registro, a hipoteca estará extinta e sujeita ao cancelamento.

Natureza decadencial do prazo de 30 anos para cancelamentos
Sobre o tema, dessa maneira, colhe-se dos ensinamentos de Francisco Eduardo Loureiro:
O prazo de trinta anos é de natureza decadencial, de modo que não se aplicam as causas impeditivas, suspensivas e interruptivas aplicáveis à prescrição. Escoado o prazo, a hipoteca se extingue de pleno direito, ainda que antes do cancelamento junto ao registro imobiliário, cujo efeito é meramente regularizatório, a ser pedido pelo interessado ao oficial. Não se confundem perempção da hipoteca com prescrição da pretensão da obrigação garantida. Disso decorre a possibilidade da perempção da garantia ocorrer antes da prescrição da obrigação garantida, que se converterá em quirografária (…) Ultrapassado o prazo fatal de trinta anos, somente subsiste a garantia real mediante novo contrato de hipoteca e novo registro imobiliário (Código Civil Comentado. Ministro Cezar Peluso coordenador. Barueri/SP: Manole. 2010). (grifou-se)
Jurisprudência do TJRS
A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, seguiu, então, no mesmo sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. REGISTRO DE IMÓVEIS. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. PEREMPÇÃO DA HIPOTECA. PRAZO FATAL. CANCELAMENTO DO REGISTRO. EFEITO MERAMENTE REGULARIZATÓRIO. DESNECESSIDADE DE RECONHECIMENTO PELO CREDOR OU ORDEM JUDICIAL.
Incontroverso o fato de que a hipoteca foi registrada há mais de trinta anos (art. 817 do CC/1916), sem qualquer renovação (art. 241 da Lei 6.015/73), impõe-se o cancelamento do pacto hipotecário em razão da perempção, cujo prazo não comporta suspensão ou interrupção. Transcorrido o prazo fatal, a hipoteca extingue-se de pleno direito, sem necessidade de reconhecimento pelo credor ou de ordem judicial, motivo pelo qual viável o cancelamento direto pelo registrador mediante simples requerimento na via administrativa pelo interessado. APELAÇÃO PROVIDA.” (TJRS. Ap. Cível nº 70068975606. Rel. Des. Marco Antonio Angelo, Julgado em 8-9-2016). “grifou-se”
Jurisprudência do TJSC
O mesmo entendimento também se observa, ademais, na jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
HIPOTECA CONVENCIONAL. GARANTIA REAL PRORROGÁVEL ATÉ 30 ANOS DA DATA DO CONTRATO. ARTIGO 817 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916, E ARTIGO 1.845 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRAZO NÃO SUJEITO À SUSPENSÃO OU INTERRUPÇÃO. A hipoteca é modalidade de garantia real sobre a qual a lei impõe prazo máximo de eficácia, o qual só pode ser excedido se reconstituída a garantia por novo título e novo registro. Esse limite temporal não se sujeita, nem mesmo que por interpretação analógica, à incidência do regramento próprio do instituto da prescrição, especialmente às causas de sua interrupção e suspensão.” (TJSC. Ap. Cível nº 0061896-15.2012.8.24.0023. a Quarta Câmara de Direito Comercial. Julgado em 25-4-2017). (grifou-se)
3. Prazos de cancelamento inferiores a 30 anos
Noutro caminho, é preciso ponderar a respeito dos casos concretos nos quais as partes pactuaram, contudo, um prazo de vigência da hipoteca inferior ao mencionado na Lei e discutido até aqui.
Jurisprudência do TJSP
Sobre essa hipótese, o Tribunal de Justiça de São Paulo posicionou-se, desse modo:
“HIPOTECA – PRAZO – Garantia constituída por escritura pública, com validade de 10 anos, não renovada – Direito real extinto, com o conseqüente cancelamento do registro, passando o crédito subsistente a ser quirografário – Perempção caracterizada – reforma da decisão judicial que assinalou a validade da garantia até o seu cancelamento no registro de imóveis – Recurso improvido”. (1º TACSP. AI. Processo 765720-6/00 – proc. princ. 9-Rel. Itamar Gaino. MF 36/NP. 3-2-98). (grifou-se)
Por assim dizer, escoado o prazo de validade da hipoteca sem a sua renovação, ainda que inferior ao limite temporal imposto pela legislação, estará extinta a garantia, dispensando-se, inclusive, a apresentação da anuência do credor.
Art. 693-A das Normas da Corregedoria de Justiça do Estado de Santa Catarina
O mesmo entendimento passou, então, a integrar o texto do Código de Normas da Corregedoria de Justiça do Estado de Santa Catarina, em seu artigo 693-A, abaixo:
Art. 693-A. É dispensada a anuência do credor para a averbação de cancelamento do registro de hipoteca em que o prazo de vigência tenha transcorrido sem a sua renovação junto ao Ofício de Registro de Imóveis. (redação acrescentada por meio do Provimento n. 20, de 12 de março de 2020)
Finalmente, adverte-se que o prazo de perempção discutido neste artigo se refere às hipotecas convencionais, visto que, segundo Silvio de Salvo Venosa, as hipotecas legais “persistem enquanto o fato mantiver a situação que as originou.”
Espero que esses breves comentários tenham auxiliado em uma melhor compreensão quanto ao cancelamento do direito real de hipoteca.
Até a próxima.