Direito Penal do Inimigo: entendendo o que diz a teoria
Nesse artigo conceituamos o Direito Penal do Inimigo, esclarecendo como essa teoria surgiu, qual a sua finalidade e como ela foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro.
- Direito Penal
- Equipe SAJ ADV
- 19 de setembro de 2018
- Atualizado em: 19 de outubro de 2020
- Tempo de Leitura: 4 minuto(s)
A carreira de advogado criminalista traz um desafio inerente: ficar a par das várias teorizações que existem nesse ramo, que é permeado pela polêmica e apresenta muitos assuntos ainda não pacificados. Uma dessas teorias é a do Direito Penal do Inimigo.
O termo Direito Penal do Inimigo é relativamente recente. Ele foi cunhado pelo jurista alemão Gunther Jakobs, em 1985. A proposta dele levanta muitas questões sobre igualdade e imparcialidade no Direito. Será que você vai concordar com as afirmações de Jakobs?
Origem do Direito Penal do Inimigo
O Direito Penal do Inimigo surgiu na Alemanha, com as idéias de Gunther Jakobs, professor de Filosofia do Direito e Direito Penal na renomada Universidade de Bonn. O termo original é Feindstrafrecht, que se opõe conceitualmente a Bürgerstrafrecht, o Direito Penal do Cidadão.
Embora a teoria formalizada seja atribuída a Jakobs, é possível encontrar traços das idéias em que ela se apóia até mesmo no Direito Romano antigo.
Conceito de Direito Penal do Inimigo
O conceito de Direito Penal do Inimigo significa que pessoas “inimigas da sociedade” não recebem as mesmas garantias, remédios e benefícios concedidos pelo Direito Penal àqueles considerados cidadãos. Alguns exemplos de inimigos seriam os terroristas e os membros de grupos do crime organizado e máfias.

Jakobs defende, portanto, uma espécie de despersonalização daqueles indivíduos que apresentam potencial latente de periculosidade para a sociedade. Eles não são privados de todos os seus direitos mas, em certos aspectos, são desprovidos dos mesmos direitos que um verdadeiro cidadão usufrui.
Esse conceito apoia-se em três pilares:
- A sanção referenciada não no ato já cometido, mas no ato futuro;
- A sanção desproporcional em relação ao delito ou ao seu potencial lesivo;
- A legislação específica para estes indivíduos considerados “inimigos da sociedade”.
Também há quem aponte mais dois pontos essenciais dessa teoria:
- Flexibilização ou eliminação de certas garantias do Processo Penal para determinados tipos penais;
- Criação de tipos penais e sanções vagas, para dar mais liberdade ao poder judiciário na aplicação da lei.
O Direito Penal do Inimigo é uma alternativa para prevenir a ocorrência de certos crimes, com uma exacerbação do caráter punitivo da Justiça. É uma teoria que vai justamente na direção oposta de outras tendências, como a Justiça restaurativa.
Por esse motivo, ele encontra algum apoio da sociedade, especialmente quando existe um clima de insegurança. Ele pode ser observado mais claramente nos ordenamentos jurídicos de países como a Espanha e os EUA.
Direito Penal do Inimigo no ordenamento jurídico brasileiro
Nota-se uma influência do Direito Penal do Inimigo sobre o ordenamento jurídico brasileiro. Percebemos essa tendência tanto no Código Penal quanto em leis esparsas, como a Lei de Drogas, a Lei de Crimes Ambientais e o Estatuto do Desarmamento.
Talvez o exemplo mais claro do Direito Penal do Inimigo no ordenamento jurídico do Brasil esteja no Código de Processo Penal. No art. 312 do CPP, autoriza-se a prisão preventiva, com a intenção de manter a ordem e garantir que a lei penal seja aplicada através do processo.
No Código Penal, outro exemplo é o artigo 288, que tipifica a formação de quadrilhas. Neste artigo, aplica-se uma sanção ao que é mero preparativo – ou seja, pune-se antes de um ato criminal ser cometido de fato.
Nas leis esparsas, temos o exemplo do artigo 33, §1º, I da Lei de Drogas, que comina sanção a vários atos envolvendo matéria-prima que pode ser usada na fabricação de drogas. Mais uma vez, pune-se antes do ato, já que o tipo não envolve drogas, mas apenas matéria-prima que talvez leve à sua produção.
Aplicação no Brasil
Embora o Direito Penal do Inimigo traga reflexos para a legislação penal brasileira, será que essa teoria é aplicada sem prejuízos de acordo com a Constituição Federal?
Existem sérias críticas à compatibilidade do Direito Penal do Inimigo com princípios básicos acolhidos pela CF/88, como a dignidade da pessoa humana, a preservação da vida e da liberdade e a presunção de inocência.
Por outro lado, também defende-se a tese de que a Constituição incorporou levemente o conceito do Direito Penal do Inimigo, autorizando, portanto, que essa teoria se aplica na criação de legislação infraconstitucional e na própria atividade jurisdicional. Um exemplo seria a supressão de garantias fundamentais em casos de crimes específicos, que é o que observamos nos incisos XLII, XLIII e XLIV do artigo 5º da CF/88.
De maneira geral, pode-se dizer que o Direito Penal do Inimigo já é aplicado na prática em nosso país, embora nem sempre de maneira aberta; e sua legitimidade continua a ser alvo de questionamentos.
Além disso, também vale a pena comentar uma crítica do próprio Jakobs aos ordenamentos jurídicos que incorporam apenas fragmentos de sua teoria, como é o caso do brasileiro. Segundo o jurista alemão, quando isso acontece, há um alto risco de que cidadãos recebam o tratamento que dispensado apenas aos verdadeiros inimigos da sociedade. Portanto, o adequado seria que a aplicação da teoria em sua integralidade.
Caso Daslu
Há quem diga que o caso Daslu foi um exemplo célebre da aplicação do Direito Penal do Inimigo no Brasil. Na ocasião, acusou-se os proprietários da Daslu, uma boutique de luxo em São Paulo, de crimes de descaminho e sonegação fiscal. Além presos sem acusação formal, também condenou-se os réus a penas em torno de 100 anos de encarceramento. Assim, houve um tratamento diferenciado dos envolvidos neste caso.
No final das contas, o advogado criminalista precisa ficar atento ao Direito Penal do Inimigo, à maneira como ele vem sendo incorporado na Justiça brasileira e, acima de tudo, aos efeitos que essa tendência pode ter na maneira como ele deve praticar o Direito para melhor representar seus clientes. Além disso, também precisa se posicionar sobre o assunto, que afeta diretamente toda a sociedade. Uma boa maneira de se manter atualizado e aprofundar-se nas questões mais relevantes, como essa teoria, é investir na realização de uma pós-graduação em Direito Penal.