Os Direitos do Usuário nas sanções aplicadas por Plataforma Digital
Os direitos do usuário referem-se as permissões que o direito digital dá aos usuários de sistemas que acessem seus dados.
- Direito Digital
- Instituto de Estudos Avançados em Direito
- 13 de junho de 2022
- Atualizado em: 14 de junho de 2022
- Tempo de Leitura: 6 minuto(s)
Sanções em plataforma digital: quais os direitos do usuário em território brasileiro?
A fim de demonstrar ao leitor a importância de discutir os direitos do usuário nas sanções aplicadas por plataforma digital, elencamos os casos hipotéticos:
- um influencer que utiliza certa rede social como fonte principal de sua renda;
- um empresário que utiliza certa rede social para comercializar seus produtos e serviços;
- um jogador de e-games que investiu altos valores no seu avatar.
Certo dia o respectivo usuário tenta entrar na conta da sua plataforma digital e descobre que ela está inativa, sem motivo aparente. Este, recebe uma mensagem da empresa responsável pela plataforma informando a inativação da conta sob a justificativa de violação dos termos de uso.
Nos casos hipotéticos apresentados o influencer perdeu sua principal fonte de renda, o empresário sofreu prejuízos materiais e o jogador perdeu tempo e dinheiro investidos.
No exemplo ilustrativo proposto os usuários descobrem, em contato com a respectiva plataforma, que a decisão foi tomada com base em tratamento automatizado de dados. Ou seja, a suposta violação foi analisada por algoritmos e a sanção se deu de forma automática.
Ora, não é incomum os fatos narrados acontecerem, sobretudo em plataformas com mais de dois milhões de usuários. Até porque, existe uma impossibilidade técnica de uma revisão humana e individualizada, no tempo necessário.
Não é ilegal, por si só, a tomada de decisão com base em tratamento automatizado no nosso país, mas existem certas regras que é importante que as plataformas considerem, sob pena de ferirem a legislação constitucional e infraconstitucional.
Nesse sentido elencamos neste artigo as principais normas e princípios que as plataformas devem respeitar em território brasileiro a fim de respeitar os direitos do usuário.
A eficácia horizontal dos direitos do usuário, direitos fundamentais e o direito ao contraditório
O Supremo Tribunal Federal decidiu e consolidou que se aplica no ordenamento jurídico a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou seja, que os direitos e garantias constitucionais também se aplicam nas relações privadas. Logo, nas plataformas digitais os direitos do usuário também devem ser considerardos. Isto é, não vale tudo como por vezes parecem demonstrar.
Como bem conceituam os incisos LIV e LV do art. 5º da Constituição Federal ninguém será privado dos seus bens sem o devido processo legal, bem como são assegurados aos litigantes, inclusive em meio administrativo, o contraditório e a ampla defesa. Aqui, frisa-se, não só formalmente, mas também de forma expressa que há que se promover os meios e recursos inerentes ao processo.
Assim, um banimento imediato sem direito a defesa fere expressamente direitos fundamentais constitucionais cuja aplicação ocorreu na relação privada e esta deve ser revista pela plataforma.
Há, portanto, que se faça existente uma política de defesa e contraditório nas plataformas, ainda que diferente da que estamos acostumados, a exemplo da política dos três strikes ou, no termo original,“Three Strikes Laws”. Nesse modelo importado, aquele que violar as regras da comunidade está sujeito a uma advertência. Em seguida, caso persista, está sujeito três sanções progressivas sendo que apenas a última se refere a suspensão permanente.
Observa-se que esse modelo, embora não esteja distante de críticas, oferece o mínimo de contraditório, aviso prévio e recurso à parte que sofreu a sanção, garantindo os direitos dos usuários.
O princípio do aviso prévio à uma sanção
O princípio do aviso prévio a uma sanção diz que todas as pessoas têm direito a uma notificação prévia à imposição de uma sanção, que aqui entende-se de modo amplo, significando qualquer restrição de direitos(OLIVEIRA, 2019).
No entendimento do Professor Carlos Eduardo Elias de Oliveira o referido princípio é parte dos princípios da boa-fé do qual também decorre a vedação à surpresa e o dever de contraditório.
Portanto, de acordo com o princípio do aviso prévio a uma sanção, é um dos direitos do usuário receber notificação prévia para que possa cumprir com a obrigação e evitar sofrer a consequência. Ou então, se quiser, apresentar argumentos que impeçam sua aplicação, tudo por força do princípio do contraditório.
O código de defesa do consumidor pode ser aplicado para defesa dos direitos do usuário?
Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor às plataformas digitais. Isso porque, de um lado temos a plataforma gerida por um fornecedor que coloca seu produto no mercado de consumo gerando lucro, ainda que de forma indireta. Do outro lado, o usuário consumidor, provavelmente um dos milhões de usuários que tornam a referida plataforma tão lucrativa.
Dito isto, a legislação consumerista determina expressamente que é direito básico do consumidor a efetiva prevenção e reparação dos danos sofridos, bem como o acesso administrativo pela plataforma, tudo nos termos do art. 6º, incisos VI e VII, do Código de Defesa do Consumidor.
Ademais, é importante destacar que se a decisão tomada pela plataforma se baseia em cláusula expressa dos termos de uso, não necessariamente ela é válida. Isso porque, o Código de Defesa do Consumidor é expresso em defender a nulidade de cláusulas abusivas como sendo, dentre elas:
- Aquelas que estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor;
- que ofendam princípios fundamentais do sistema jurídico;
- que restrinjam direitos ou obrigações fundamentais;
- e, que se mostrem excessivamente onerosas ao consumidor.
Estas, estão dispostas nos termos do art. 51 do referido diploma legal, e consquentemente, são dispõe sobre os direitos do usuário.
Pode ocorrer a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)?
Como já relatado na introdução deste artigo é necessário pontuar que não há qualquer problema em analisar a violação de termos de uso por meio de algoritmos. Ou seja, não é ilegal que as plataformas tomem decisões com base única em tratamento automatizado de dados. Mas devem tomar alguns cuidados necessários para não violar os direitos do usuário segundo a legislação brasileira.
O problema se dá quando essa decisão automatizada por meio de dados é realizada sem os deveres mínimos de revisão, o que fere expressamente o art. 20, caput ̧e parágrafo primeiro da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais –LGPD – lei n.º 13.709/19.
Segundo a exegética da norma o titular dos dados tem direito a solicitar a revisão de decisões que porventura sejam tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais. Ademais, o controlador, se solicitado, deve fornecer informações claras e adequadas a respeito do procedimento, inclusive, os critérios utilizados.
As plataformas, em contrapartida, costumam alegar que não podem oferecer informações sobre os critérios e procedimentos utilizados na decisão por questão de segurança. Justificando que, se publicizada a informação pode afetar a efetividade do algoritmo que, por exemplo, poderia ser burlado por usuários com intenções maliciosas.
Certo que a LGPD não cita propriamente a questão da segurança, mas resguarda aos controladores no repasse das informações os segredos de cunho comercial e industrial. No entanto, há que se deixar claro que tais argumentos não podem ser escudos para abstenção total de informações. Inclusive, sob o ônus de ter que assumir a ilegalidade da conduta perpetrada, haja vista, por exemplo, a cumulação da aplicação do instituto da inversão do ônus da prova previsto no Código de Defesa do Consumidor.
Existe a possibilidade de aplicação do Marco Civil da Internet – Lei n.º 12.965/14?
Estabelece o inciso VI do art. 3º do Marco Civil da Internet que o uso da internet no Brasil será regido pela responsabilização dos agentes de acordo com sua atividade. Ora, o lucro das gigantes de tecnologia é proporcional ao risco da sua atividade, o que contabiliza inclusive o dever de reparar e indenizar os eventuais abusos cometidos.
Não se pode esquecer também a aplicação, em alguns casos relativos aos direitos do usuário, da Seção III do Marco Civil da Internet. Isso porque, se o motivo que levou a suspensão indevida do usuário envolver conteúdo disponibilizado na plataforma, algumas regras e princípios devem ser observados.
Direitos do usuário: por que as plataformas devem se prevenir contra danos e respeitar o ordenamento jurídico brasileiro?
É importante atentar que, como já referido, as plataformas digitais, em regra, são fornecidas no mercado de consumo, o que atrai a responsabilidade civil objetivado art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.
Nos casos hipotéticos demonstrados na introdução deste artigo os usuários sofreram danos materiais com perdas efetivas e, em alguns casos, também deixaram de lucrar (art. 402 do Código Civil)
Assim, além da recuperação da conta banida de forma indevida, seria possível com a demonstração do ato ilícito, do nexo causal e do dano efetivamente sofrido que os usuários pleiteassem o seu direito à reparação material, assim como a indenização por eventual dano moral sofrido.
Dito isso, fica bastante claro a importância das plataformas prevenirem a ocorrência de danos, respeitando sempre a legislação constitucional e infraconstitucional do país, bem como, os direitos dos usuários, sob pena de arcarem com os prejuízos sofridos pelos usuários
Escrito por: Jean Carlos Batista Moura.Advogado. Vice-Presidente da Comissão de Direito Digital e Informática da OAB/GO. Coordenador do Núcleo de Direito Digital e Proteção de Dados do Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD). Professor na Escola Superior da Advocacia de Goiás (ESA/GO). Especialista em direito civil e processo civil pela ATAME, em direito penal e processo penal pela UFG e em Direito Cibernético pelo IPOG. Endereço eletrônico: jean@menta.adv.br.