Exame de Ordem: um fantasma que assombra a advocacia
- Mercado e Carreira
- Equipe SAJ ADV
- 02 de junho de 2015
- Atualizado em: 12 de julho de 2020
- Tempo de Leitura: 6 minuto(s)
Quando a faculdade de Direito chega ao fim, nem todos os problemas acabam da mesma forma. O agora bacharel em Direito encontra, afinal, dois outros desafios pela frente: a aprovação no Exame de Ordem e a entrada no mercado de trabalho.
Como se sabe, a avaliação é condição indispensável para o exercício da advocacia. Quem se forma em Direito, portanto, adquire apenas o título de bacharel após a formatura. O direito de advogar não é automático. Para receber essa permissão há uma série de requisitos exigidos pelo Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei 8.906/94), conforme dispõe:
Art. 8º. Para inscrição como advogado é necessário:
I. capacidade civil;
II. diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada;
III. título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro;
IV. aprovação em Exame de Ordem;
V. não exercer atividade incompatível com a advocacia;
VI. idoneidade moral;
VII. prestar compromisso perante o conselho.
O mais penoso deles, no entanto, é o Exame de Ordem, que atesta o conhecimento e a capacidade do bacharel para desempenhar atividades como advogado. Esta tarefa, como muitos sabem, não é fácil. O certame soma altos índices de reprovação, o que assusta até os mais experientes.
Ao mesmo tempo, no entanto, é um sacrifício que precisa ser enfrentado e superado por todos aqueles que pretendem seguir carreira na advocacia. Mas não engane: até para quem almeja a vida pública, a carteirinha da OAB pode ser imprescindível. Afinal, o ingresso na magistratura e no Ministério Público, por exemplo, exigem pelo menos três anos de atividade jurídica. E a advocacia, muitas vezes, é a opção mais sensata para cumprir com esse período obrigatório.
Vinte e cinco anos de obrigatoriedade
O Exame de Ordem já possui quase 60 anos de existência, mas a obrigatoriedade é relativamente nova. A idealização da prova se deu em 1963 pelo primeiro Estatuto da OAB (Lei 4.215/63), mas sua regulamentação (e a consequente obrigatoriedade) só veio em 1994 com a aprovação do atual Estatuto. Antes disso, conforme o Estatuto anterior, o bacharel podia optar entre o estágio profissional ou a submissão à prova (art. 84 da Lei 4.215/63).
Em 2006, o Exame de Ordem foi unificado nacionalmente. Portanto, se antes, cada Estado elaborava sua própria avaliação, a partir de então, a prova passou a ser única e com o mesmo conteúdo para todas as questões aplicadas no país.
Mas qual é o objetivo do Exame de Ordem?
Basicamente, ele é o instrumento usado pela advocacia para impedir que profissionais despreparados conquistem a capacidade postulatória. O advogado, por ser um profissional indispensável para a Justiça (conforme o art. 133 da Constituição Federal de 1988), deve atender com qualidade a todos os direitos e interesses que são caros aos cidadãos. Diz o referido dispositivo:
Art. 133. CF. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
Debates sobre sua inconstitucionalidade
Desde a sua obrigatoriedade, o Exame de Ordem sempre foi alvo de debates acalorados a respeito de sua inconstitucionalidade. E isso acontecia não apenas no âmbito social, mas também na esfera legislativa, visto a quantidade de projetos de lei que eram criados na tentativa de derrubar a obrigatoriedade do exame. Quando algumas dessas discussões começaram a se transformar em demandas judiciais, o Supremo Tribunal Federal (STF) entrou no jogo para enfrentar a questão.
Em 2011, os ministros da Casa julgaram o Recurso Extraordinário 603.583, que teve origem em uma ação ajuizada junto ao Judiciário do Rio Grande do Sul. A inicial dizia respeito a um bacharel em Direito que entendia ser inconstitucional a aprovação no Exame de Ordem para o exercício da advocacia. Isso porque o processo violaria o princípio da igualdade e o direito fundamental ao livre exercício de qualquer profissão – já que as demais carreiras não exigem tal condição.

Segundo ele, o processo deveria acontecer de forma contrária ao disposto na atualidade. Portanto, em vez de enfrentar uma prova para selecionar os profissionais que poderiam ser considerados aptos a advocacia, os bacharéis teriam permissão automática para exercer a profissão após a formatura, até prova em contrário. O motivo para tal mudança, de acordo com o autor da demanda, estaria fundamentado nos princípios constitucionais da presunção da inocência, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
Para ele, a própria OAB teria condições de avaliar se o profissional que está no mercado é capaz de exercer aquela função. Isso porque o Estatuto versa a respeito das sanções disciplinares para o advogado (art. 35).
STF enfrentou a questão
No julgamento do RE 603.583, portanto, estava em jogo a constitucionalidade dos arts. 8º, inciso IV e § 1º, e 44, inciso II, da Lei nº 8.906/94, que condicionam a inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados à aprovação em exame de conhecimentos jurídicos e delegam à referida autarquia a atribuição de regulamentá-lo e promover, com exclusividade,
a seleção dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.
Tratam os dispositivos:
Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário:
IV – aprovação em Exame de Ordem.
Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:
II – promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.
No entanto, ao analisar a questão, os ministros declararam o Exame de Ordem Constitucional, especialmente devido à proliferação descabida dos cursos de Direito (alguns deles sem condições de estarem em funcionamento).
Três linhas de argumento no voto
Em seu voto, o relator, ministro Marco Aurélio de Mello, defendeu três linhas de argumentos. Ele enfrentou a violação à liberdade de profissão, a confusão incompatível do papel das instituições de ensino superior e das organizações de classes profissionais e a previsão legal dada à OAB para realizar a seleção de advogados no mercado.
Assim se apresenta a ementa do caso:
TRABALHO – OFÍCIO OU PROFISSÃO – EXERCÍCIO. Consoante disposto no inciso XIII do artigo 5º da Constituição Federal, “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. BACHARÉIS EM DIREITO – QUALIFICAÇÃO. Alcança-se a qualificação de bacharel em Direito mediante conclusão do curso respectivo e colação de grau. ADVOGADO – EXERCÍCIO PROFISSIONAL – EXAME DE ORDEM. O Exame de Ordem, inicialmente previsto no artigo 48, inciso III, da Lei nº 4.215/63 e hoje no artigo 84 da Lei nº 8.906/94, no que a atuação profissional repercute no campo de interesse de terceiros, mostra-se consentâneo com a Constituição Federal, que remete às qualificações previstas em lei. Considerações.
Onde o profissional pode atuar sem a carteira da OAB
Uma vez aprovado no Exame da Ordem, o bacharel poderá requerer a carteirinha da OAB a qualquer momento e quando quiser. Ela não precisa, portanto, ser solicitada logo na sequência da aprovação. O importante é apenas garantir o certificado da aprovação na prova e guardá-lo. Afinal, ela não expira com o tempo: basta ser aprovado uma única vez. Feito isso, nunca mais será necessário prestar um novo exame.
É por isso que, ainda que o profissional não planeje seguir a carreira de advogado, vale a garantir sua aprovação.
No entanto, se a aprovação não vier, o título que o profissional carrega é o de bacharel em Direito. Embora não tenha autorização para trabalhar como advogado, há outras atividades que ele pode realizar. É o caso, por exemplo,
- Paralegal: atua com funções ou atribuições auxiliares ou complementares à advocacia sob acompanhamento de um advogado profissional. Em outras palavras, ele exerce, basicamente, todas as atividades inerente a um estagiário jurídico. A função foi recentemente aprovada pelo Congresso Nacional.
- Correspondente jurídico: auxilia outros advogados em questões administrativas e resolve pendências mais simples para advogados de cidades distantes. Em outras palavras, o correspondente não atua como advogado principal do processo, mas pode representá-lo em audiência ou em despachos pessoais com juízes e desembargadores, por exemplo.
- Professor acadêmico: para dar aulas em universidades, o profissional não precisa ser advogado. Basta ter concluído o curso de Direito, ter interesse na área acadêmica e se aperfeiçoar nela. Se for esse o caso, provavelmente, ele irá trocar os estudos dos Exame de Ordem pelos estudos de mestrado e doutorado. Para tais cursos de pós-graduação, aliás, a carteira da OAB não é exigida.
- Jurista: atua com pesquisas no universo jurídico, como a análise de decisões jurisprudenciais ou o estudo do direito comparado, por exemplo.
Como funciona o Exame de Ordem
A prova do Exame de Ordem é aplicada três vezes por ano e é composta por duas fases. A primeira etapa, por exemplo,é uma avaliação objetiva, com caráter eliminatório, que abrange as disciplinas obrigatórias do curso de Direito e algumas outras definidas pela própria OAB. São elas:
- Ética;
- Filosofia do Direito;
- Estatuto da Criança e do Adolescente;
- Direitos Humanos;
- Direito Ambiental;
- Direito Tributário;
- Constitucional;
- Direito Administrativo;
- Internacional;
- Direito do Consumidor;
- Direito Civil;
- Empresarial;
- Processo Civil;
- Direito do Trabalho;
- Processo do Trabalho;
- Direito Penal;
- Processo Penal;
Ela abrange, portanto, 80 questões de múltipla escolha, com quatro alternativas diferentes. Para ser aprovado, o examinando deve atingir os 50% de acertos. Ou seja, o mínimo de 40 questões.
A segunda fase
Se for esse o caso, o aluno é automaticamente aprovado para a segunda fase. Nesta nova etapa, a prova é prática e com questões abertas voltadas exclusivamente para a área do Direito que o examinando escolheu previamente, durante a inscrição. O examinando, portanto, não encara todas as 17 disciplinas que estão presentes na primeira fase. Ele poderá optar por uma das sete áreas disponibilizadas, como, por exemplo:
- Administrativo;
- Civil;
- Constitucional;
- Empresarial;
- Penal;
- Trabalho;
- Direito Tributário.
Chegada a segunda fase, portanto, o examinando responde a quatro questões dissertativas e elabora uma peça prática identificada a partir de um caso concreto apresentado na prova. Além de identificar a peça corretamente, ele também precisa transcrevê-la dentro dos parâmetros corretos.
Nesta etapa, o examinando precisa atingir 60 pontos, do total de 100. As questões equivalem, em conjunto, a 50 pontos, enquanto a peça corresponde aos outros 50. Conforme é possível perceber, portanto, a identificação correta da peça é condição primordial para a aprovação no certame. Caso contrário, a pontuação mínima não é possível de ser atingida.
No entanto, se a pontuação for atingida e a aprovação no Exame de Ordem vier, prepare a comemoração. O nome no listão dos aprovados gera a primeira promoção da carreira do profissional. Assim, ele passa de mero bacharel em Direito para advogado propriamente dito.