Mulheres na advocacia: lutas e espaços a serem abertos no Brasil
As mulheres tiveram um longo caminho de luta até atingir os direitos conquistados atualmente, apesar disso, ainda há muito a se transformar no direito das mulheres
- Direito e Justiça
- Aline de Souza Pereira
- 06 de abril de 2021
- Atualizado em: 09 de abril de 2021
- Tempo de Leitura: 7 minuto(s)
A primeira mulher advogada do Brasil
Em 1827 se criavam os primeiros cursos jurídicos do Brasil, à época, uma atitude, de certa forma moderna e revolucionária. No entanto, se pensarmos nas mulheres na advocacia a conversa muda de rumo. É fato que em 1827, havíamos acabado de nos tornar independentes de Portugal (a independência ocorreu em 1822), e consequentemente, éramos (e ainda somos) um país marcado por barbáries como a escravidão.
No entanto, quando olhamos para o período entre a criação dos primeiros cursos de direito do Brasil e a formação da primeira mulher advogada no Brasil, o espaço de tempo é enorme. Apesar de Myrthes Gomes de Campos (1875-1965) ter concluído o bacharelado em direito no ano de 1898, só conseguiu ingressar no quadro de funcionários do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), criado no ano de 1838, em 1906. Mas isso só aconteceu após muita luta por parte de Myrthes.
Desde de sempre Myrthes teve um interesse pelas leis, mas na época, segundo a sociedade, mulheres deveriam se casar e ser donas de casa. Como ela não concordava com isso, escandalizou sua família ao decidir ir para a capital do Rio de Janeiro estudar Direito. Após se formar como bacharel em Direito, fez sua primeira tentativa de ingressar na IAB em 1899. No período, recebeu uma orientação para se candidatar para uma vaga de estagiária, já que as vagas dessa categoria se destinavam a advogados recém formados.
Ainda no ano de 1899, Myrthes atuou como defensora no Tribunal do Júri. Essa foi a primeira vez que uma mulher entrou em um tribunal como advogada, em cerca de 70 anos. Apesar de ter vencido no julgamento, e de uma trajetória brilhante, apenas 7 anos depois foi inserida na IAB.
A primeira mulher advogada negra no Brasil
Apesar de Myrthes ter feito uma trajetória de luta indiscutível, ela ainda fazia parte de uma parcela privilegiada da nossa sociedade. É por isso que, ao falar em direito das mulheres e mulheres no Direito, não se pode jamais esquecer o recorte de raça.
Se olharmos para dados oficiais, de fato, podemos considerar Myrthes Gomes a primeira mulher advogada do país. Mas antes dela, uma outra mulher já estava lutando por seus direitos, e principalmente, por seu direito de sobrevivência.
Esperança Garcia foi uma mulher escravizada que escreveu uma carta ao governador do Piauí em defesa de seus direitos no ano de 1770. No entanto, esse documento, só foi descoberto em 1979 por um historiador. Na carta, Garcia solicitava ajuda para sair da fazenda onde estava sendo mantida como escrava e sofrendo maus tratos, para ser levada de volta a fazenda onde antes morava com seu marido e filha.
Por conta do teor da carta, a OAB entendeu que, o que Esperança fez não foi diferente do que um advogado faria. Dessa forma, em 2017, a Ordem concedeu o título de primeira mulher negra advogada do Brasil.
A luta das mulheres na advocacia
Hoje, temos várias mulheres na advocacia, mas a realidade ainda não é muito animadora.
Apesar de hoje não ser um número muito diferente, quando comparamos as mulheres e homens registrados como advogadas e advogados na Ordem dos advogados do Brasil (OAB), o número de mulheres ainda é um pouco menor. É importante destacar que, para ter registro na OAB basta passar na prova, o que é uma tentativa de extinguir essas desigualdades. Por isso, essa diferença, nesse caso se da por outros fatores sociais.
Já quando olhamos para suplementares, que para assumirem o cargo, passam por uma eleição, a diferença é bem maior. De 51.834, apenas 16 mil são mulheres.
Na Diretoria do Conselho Federal da Ordem atualmente apenas homens ocupam os cargos. Já, dentre os conselheiros federais, de um total de 80 conselheiros em exercício, sendo 3 de cada estado brasileiro, apenas 16 são mulheres. Na maioria dos estados, apenas 1 dos 3 conselheiros do estado são mulheres. Em alguns estados, como em São Paulo, todos os conselheiros são homens.
Apesar disso, também temos pontos positivos de uma mudança que vem acontecendo gradualmente. Se olharmos para os estagiários, a maioria pertence ao gênero feminino, sendo 10.330 mulheres contra 8.944 homens. Esse é um feliz indicativo de avanço.
Se estamos falando de mulheres na advocacia, é importante destacar cargos mais altos, que ainda são majoritariamente ocupados por homens. Um exemplo disso é que, apenas em 2017 uma mulher ocupou o cargo de procuradora geral da república. Raquel Dodge assumiu o posto até 2019.
Nas cortes superiores, segundo o portal Migalhas, apenas 15% dos cargos são ocupados por mulheres. Enquanto no Tribunal de Justiça, apenas 20% são desembargadoras, em detrimento dos 80% desembargadores homens.

As mulheres no mercado de trabalho e a síndrome do impostor (da impostora)
Quando olhamos para os dados das mulheres na advocacia, no entanto, eles não diferem do cenário nacional. Isso porque, não foi apenas no Direito que as mulheres entraram tardiamente – olhando aqui para mulheres brancas, mais adiante entraremos nessa diferenciação.
Em um primeiro momento da história do mundo, tinha-se a organização social onde os homens eram responsáveis por trabalhar, enquanto as mulheres deviam ficar em casa e cuidar dos serviços domésticos. Com a revolução industrial, no entanto, as mulheres também passaram a compor os quadros de funcionários das empresas.
Acontece que, nesse período, as mulheres, que trabalhavam igual ou até mais que os homens nas fábricas, ganhavam bem menos. As lutas por melhores condições de trabalho e pela igualdade entre homens e mulheres nesse período foram expressivas.
Em 8 de março de 1857 uma fábrica onde mulheres trabalhavam pega fogo e 129 mulheres morrem no incêndio. É por isso que hoje, nesse dia se comemora o dia internacional da mulher, representando a luta das mulheres contra a desigualdade de gênero.
No Brasil, podemos até contar história similar e comemorar essa data, mas a trajetória das brasileiras tem algumas especificidades. Assim como em todo o mundo, as mulheres brasileiras foram consideradas, por muito tempo uma posse. Afinal, o que mais é um casamento arranjado nos moldes antigos do que dar a posse de sua filha ao homem que será seu futuro marido, não é mesmo?
Enfim, olhando para essa questão, no Brasil podemos considerar alguns fatos históricos que provam que a mulher brasileira demorou ainda mais para assumir certas funções. O Código Civil de 1916 determinava que mulheres casadas que desejassem exercer uma profissão, deviam pedir autorização para o marido. Agora não é mais de se espantar a demora para que a primeira advogada brasileira pudesse exercer a profissão.
A síndrome da impostora
Um problema que já afetava muitos profissionais de sucesso e recentemente virou assunto em diversos debates é a síndrome do impostor. Basicamente, essa síndrome é o que nos faz acreditar não sermos capazes de executar tal função e de que logo algum colega ou seu chefe irá descobrir que você, na realidade, não é bom o suficiente para o trabalho.
Muitos debates têm chamado essa síndrome, rementindo a algo que acomete mais as mulheres. Isso porque, existem dados que comprovam que as mulheres, de maneira geral, sofrem mais com esse problema. Aqui podemos trazer não só para as mulheres, mas para todas as minorias.
Há alguns dias publicamos um episódio do nosso podcast, o SAJ ADVcast, sobre mulheres no Direito e direito das mulheres. Juliana Alice, que foi uma das participantes do debate e concorda que tanto as mulheres na advocacia, quanto em qualquer outra profissão, passam por isso, apontou:
Imagina a sociedade, a vida inteira falar que você não merece estar nesse lugar. O que você vai pensar? É claro que a pessoa vai sofrer com a síndrome do impostor, afinal, aquele lugar não foi inicialmente projetado para ela.
A luta das mulheres negras
Como falei, anteriormente então, a realidade da luta das mulheres para trabalhar e estudar e por melhores condições era uma luta específica da mulher branca. Digo isto por motivos óbvios: enquanto mulheres brancas lutavam para ter reconhecimento enquanto indivíduos e para poder trabalhar, um outro grupo minoritário lutava por outras razões
A população negra buscava a liberdade! A abolição da escravidão no Brasil ocorreu em 1888, apesar disso, como bem apontou o Pe. José Oscar Beozzo em sua Obra “Brasil: 500 anos de migração”, muito tempo levou até que, de fato, o povo negro tivesse sido liberto.
Sabemos também, como já estudamos em história que os ex-escravos libertos não receberam subsídios para se manter no país, e por conta disso, começaram a ocupar os morros. O ponto é, em relação ao trabalho, continuaram exercendo tarefas similares as que já exerciam, e apesar de agora com remuneração, o valor era ínfimo em relação ao quanto era necessário para a qualidade de vida.
Assim, completando um ciclo de exploração, o povo negro se manteve com poucas possibilidades de adentrar em universidades e exercer profissões que oferecessem uma promessa de melhora de vida. Além disso, por conta das mulheres negras agora trabalharem, em sua maioria, como domésticas um outro fator que já existia durante a escravidão, se potencializou: a exploração dos corpos dessas mulheres. Esse problema perpassa todas as profissões que mulheres exercem até hoje, incluindo as mulheres na advocacia, as mulheres no jornalismo, etc.
Os abusos sexuais
Como apresentamos então, as mulheres negras continuaram a sofrer com abusos da parte de seus patrões. Nesse sentido, podemos abarcar as mulheres em geral.
Os dados de violência sexual no mundo são assustadores e expressivos, e a cultura que permite esse tipo de ação ainda é muito difícil de ser transformada. As mulheres na advocacia e no Direito, em geral também sofrem com isso.
Os desafios das mulheres na advocacia
O exercício da advocacia sempre teve muitos obstáculos, uma mulher fazer uma sustenção oral, uma mulher despachar, uma mulher no dia a dia lidando com cliente, o assédio moral, o assédio sexual, esse comportamento masculino de tratar como um objeto e nunca olhar suas capacidades, diminuir suas capacidades… Eu sei que essa desigualdade nunca conseguiram provar cientificamente como surgiu, mas fato é que a mulher sempre sofreu essa descriminação, sempre foi subjugada, sempre foi diminuída.
É o que aponta Carol Vasconcelos, advogada e idealizadora do Advogável Mundo Novo, como as maiores dificuldades das mulheres na advocacia.
Vemos que, assim como na maioria dos trabalhos cujo domínio é majoritariamente masculino, na advocacia, as mulheres ainda precisam encarar desafios em seus ambientes profissionais que têm relação com a cultura patriarcal.
Apesar disso, existiram grandes avanços nas leis de proteção e direito das mulheres, como a Lei Maria da Penha. Hoje a OAB possui a Comissão Nacional da mulher advogada, possuem projetos de cotas para inserção de mulheres nos cargos, entre outras ações que promovem uma busca por redução dessas disparidades.
Por fim, nosso desejo é que, cada vez mais mulheres ocupem cargos de liderança e que, nossas leis possam buscar a proteção e redução das desigualdades, afinal, segundo nossa constituição, temos todos os mesmo direitos e deveres.