Negociação estratégica e os prejuízos do litígio na advocacia
O litígio jurídico acontece quando pessoas possuem interesses que conflitam entre si, pois uma está buscando o direito que não é aceito pela outra.
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- Viegas & Viegas Advocacia e Assessoria
- 22 de dezembro de 2020
- Atualizado em: 03 de fevereiro de 2021
- Tempo de Leitura: 6 minuto(s)
A cultura do litígio no Brasil e as formas de resolução consensual de conflitos
Pela experiência milenar provada pela atividade epistemológica do advogado, sabemos que: mesmo que postas as regras, o litígio sempre acontece. Litígio este que, não por raras vezes, se arrasta por décadas sem solução as partes. E gera, dessa forma, cada vez mais custas a estes e não cumprindo com a sua finalidade pois sempre haverá um perdedor, insatisfeito com a atividade jurisdicional.
A função mais basilar do Direito é a paz social. Isto é o que se aprende quando sentamos nas cadeiras da Faculdade de Direito. Por conta da dificuldade do ser humano de se relacionar com os seus demais, cria-se o Direito como uma forma de equidade e justiça entre eles.
Venosa (2004, p. 27) repete o brocardo romano, dizendo que o direito é a arte do bom e do justo (ars boni et aequi). Há, portanto, que se enfrentar com duas situações complementares: o Direito como arte, na medida em que se envolve com outras matérias, e enquanto ciência, enquanto encara as normas postas pelo Estado e digeridas socialmente pela natureza do homem.
1. Conceito de lide: a origem do litígio e o conflito de interesses
Sabidamente, o litígio jurídico acontece quando pessoas possuem interesses que conflitam entre si, pois uma está buscando o direito que não é aceito pela outra.
Numa visão Carneluttiana, o conflito de interesses nasce perante duas premissas:
- os bens (do latim: bônus quod beat, entendido como “porque faz bem” ou elemento capaz de satisfazer uma necessidade) são limitados;
- as necessidades (traduzido como falta de algo) é ilimitada, concluindo num conflito subjetivo de interesses infindável (ALVIM, 2016, p. 1 – 5).
A função que é ensinada para o advogado nas fileiras da academia é essa: criar argumentos jurídicos capazes de resistir a pretensões desfavoráveis. Resistência esta que pode ser entendida, desse modo, com uma não subordinação ao interesse alheio.
Entretanto, para Carnelutti, sempre findar-se-á a lide em uma conclusão: a exigência de subordinação do interesse de outrem ao interesse próprio, mesmo que resistido.
Por conclusão lógica, aqui não há paz. Há a imposição, por mão forte do Direito (ou do Estado, entendido o direito como forma de poder), da pretensão de alguém a outrem, sem que isso envolva, necessariamente, os preceitos axiológicos de equidade e justiça.

2. Antiga função da advocacia
A função antiga do advogado, portanto, era esta: litigar. Grandes nomes do Direito assim procederam.
O sempre citado Francesco Carnelutti disse certa vez: “A essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia é esta: Permanecer sobre o último degrau da escada ao lado do acusado”.
Entretanto, com profissionais do direito cada vez mais voltados a criar um ambiente de lide, de pretensões e resistências, cria-se na verdade, um ambiente competitivo. E este somente prejudica a parte e seus patronos, seja pelo tempo de luta, pelo risco de perda e pela insegurança da vitória.
Recentemente, por exemplo, teve fim o processo mais longo da história do judiciário brasileiro. Trata-se de um processo datado de 1895, tendo por parte a família real (princesa Isabel de Orleans e Bragança e Conde d’Eu) e a União, afirmando que o palácio do Guanabara pertencia a eles. Em 124 anos de processo, nenhuma das partes originais estão vivas. O processo chega ao fim, negando um direito secularmente litigado.[1]
Veja que, em mais de 120 anos de processo, não houve paz. Ademais, por certo a insatisfação dos sucessores da antiga família real com o litígio ficará também pra história.
Desta parte, o advogado cumpre com a sua função de litigar, mas deixa de observar a finalidade social ao qual o Direito inicialmente pretendia: a paz social.
3. Alto número de processos no Brasil e excesso de litígio
O Brasil está entre os países mais litigantes do mundo. Segundo dados[2] de 2018, o país encerrou o ano com mais de 78,7 milhões de processos em tramitação. Destes mesmos processos, 14,1 milhões, ou seja, 17,9%, estavam suspensos, sobrestados ou em arquivo provisório, aguardando, portanto, uma situação jurídica futura.
Veja, em um país com alto índice de litigância, com inúmeras críticas à morosidade processual, burocrático e em muitos estados que os processos ainda são majoritariamente físicos, foi necessário positivar preceito de celeridade em norma constitucional, com o fim de evitar que se torne ainda mais moroso.
Neste cenário, a paz social, enquanto fim do Direito, está fadada ao fracasso. Mesmo que se a lide for resolvida de uma forma mais “justa” em aspectos técnico-jurídicos, o conflito deixará de ser deliberado em tempo hábil, e talvez, quando resolvido, ocorrendo o trânsito em julgado, o processo nem seja mais de grande interesse ao demandante (GIOLO JÚNIOR, 2012, p. 148).
4. Prejuízo às partes pela demora a satisfação processual
Aos lençóis em que se encontra o poder judiciário brasileiro, percebe-se que o Direito, enquanto arte, e, portanto, como fato social (MONTORO, 1997, p. 34), interagindo com as demais ciências, causa mais danos à sociedade do que esperança.
A título de exemplo, pense em uma ação cujo qual objeto principal verse sobre aposentadoria especial.
Neste exemplo, o demandante certamente laborou em sua vida com algum agente insalutífero. A insalubridade, como se sabe, não tem danos imediatos, mas danos contínuos, dada a natureza e o tempo de exposição do obreiro ao agente insalutífero.
Segundo dados do CNJ[3], um litígio na Justiça Federal demora 8 anos na fase de execução. Isso quer dizer que, um processo protocolado em 2013 poderá vir a receber seus pagamentos retroativos (atrasados) somente no início de 2021.
Veja, neste exemplo, o desespero do trabalhador inicia bem antes do processo, mas no início de sua vida profissional. Isto, porque sabe que o processo poderá demandar grande parte de sua vida, parte essa que poderia estar sendo usufruída, por si e com a sua família, com o seu direito, mas certamente não estará.
5. Criação de mecanismos de resolução consensual de conflitos no CPC
Com efeito, o cenário moroso dos litígios não é um problema causado tão somente pelo Poder Judiciário.
Há, por certo, a participação de outros profissionais, como o promotor de justiça que, cabendo alguns dos institutos de negociação processual (penal e civil, no que for de sua competência), deixa de propor, de peritos, com perícias demasiadamente longínquas, e do próprio advogado, que não procura a melhor solução para a demanda do seu cliente, imaginando o processo como forma única de satisfação social (GIOLO JUNIOR, 2012, p. 165).
Todavia, em uma clara tentativa de atenuar os danos causados, o Novo Código de Processo Civil, ou como chamado pelo ministro do STJ Napoleão Maia, Código de Fux, trouxe institutos de negociação processual e extraprocessual, como a mediação e a conciliação, além de incentivos a quem os fizer (por exemplo, a isenção de custas prevista no art. 90, §3º do CPC).
Neste momento, então, surge o papel primordial da advocacia enquanto agente de pacificação social.
Ao invés de litigância infindável, emerge, assim, o papel de um negociador estratégico, que se apresenta com um maior potencial de resolução dos casos em tempo hábil, sendo que, para negociar, independe-se de terceiros, de burocracias, formalidades ou audiências. A negociação é construída com a atitude direta dos advogados envolvidos na lide pré-processual, instaurada no âmago dos litigantes.
6. O papel da negociação estratégica na cultura do litígio
Com os advogados voltados à resolução consensual dos conflitos, o ambiente é abandonado, dessa forma, pelo espírito competitivo. Em seu lugar, surge, então, um espírito amigável, colaborativo entre as partes (art. 6º do CPC), fazendo cumprir o preceito esculpido no art. 4º do CPC.
O livro intitulado “Como chegar ao sim”, escritos pelos cofundadores do projeto de negociação da Universidade de Harvard e liderados pelo William Ury, cria 4 princípios que orientam o advogado no papel de negociador colaborativo.
Em primeiro lugar, sempre separe as pessoas do problema, separe o problema da essência, para que a outra parte se sinta acolhida, não só no sentido físico, mas com o psicológico aberto ao diálogo e a colaboração.
Segundo, use com empatia, tentando entender o que motiva a outra parte da negociação a aquela pretensão e assim, sabendo de suas necessidades e como satisfazê-las.
Terceiro, crie possibilidades de negociação com ganhos mútuos, ou seja, satisfazendo a necessidade que, por vezes, nem mesmo a outra parte tinha consciência de que tinha.
A negociação sempre será bem-sucedida quando a outra parte souber que está ganhando com você. Superada a fase da inimizade parcial, do foco em si, com o método da empatia, será muito mais fácil ver que do outro lado não há um adversário, mas um colaborador.
Por fim, como forma de defesa a qualquer contra-ataque malicioso e ofensivo, utilize de critérios objetivos a negociação, sem cair ao erro do subjetivismo e a sensações efêmeras.
7. A empatia é uma estratégia para a negociação
Utilizando de métodos empáticos, deixando de se imaginar a parte a frente como adversário, mas sim como colaborador cujo qual também quer uma solução célere, o advogado chegará a melhor qualidade do serviço prestado ao cliente.
Por meio de uma advocacia colaborativa, desse modo, as pretensões satisfativas de ambas as partes do já inexistente litígio estarão adimplidas de maneira mais justa, eficaz, equânime e célere, proporcionando aos jurisdicionados o fim do direito, qual seja, a paz social.
Referências
- ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria geral do processo. 19 ed. ver., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016
- FISCHER, Roger; URY, William; PATTON, Bruce. Como chegar ao sim: negociação de acordos sem concessões. Tradução de Vera Ribeiro e Ana Luiza Borges. 2ª ed. revisada e ampliada. Rio de Janeiro: Imago, 2005.
- GIOLO JÚNIOR, Cildo. Morosidade da justiça: a responsabilidade patrimonial do Estado pela demora na entrega da prestação jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012.
- MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 24 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.
- VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas. São Paulo: Atlas, 2004.
[1] https://veja.abril.com.br/brasil/movido-por-princesa-isabel-processo-mais-antigo-da-republica-chega-ao-fim/. Acessado em 30/11/2020, às 20h51.
[2] https://migalhas.uol.com.br/arquivos/2019/8/art20190829-11.pdf. Acesso em 01/12/2020, às 01h05.
[3] Idem.
Escrito por:
Álick Henrique Souza Eduardo, estagiário do escritório Viegas & Viegas Advocacia e Assessoria, estudante de Direito na Faculdade de Direito de Franca.