Como fazer partilha no inventário de imóvel sem registro
Partilha no inventário é a divisão de bens do espólio de uma pessoa entre os seus herdeiros, com base no desejo do falecido, explicitado em inventário
- Colunistas
- Andressa Cristine da Silva
- 25 de agosto de 2021
- Atualizado em: 07 de março de 2022
- Tempo de Leitura: 5 minuto(s)
Como fazer partilha no inventário de imóvel sem registro?
Apesar do correto ser que cada imóvel adquirido seja levado a registro no Registro de Imóveis, a realidade é outra. Temos no país inúmeras casas e terrenos que carecem de regularização. Não raro, as pessoas falecem antes de regularizar o imóvel e no momento do inventário, surge a dúvida: “será que teremos que incluir essa casa no inventário? Como irá acontecer a partilho no inventário? O que fazer se nem temos o registro dela? E agora?”
Pois bem, como dito anteriormente, o certo é que na compra de um imóvel, o vendedor e o comprador, realizem todos os trâmites necessários, incluindo os atos perante o tabelião e junto à serventia de registro de imóveis, a fim de que exista segurança jurídica para ambas as partes.
Mas como fazer partilha no inventário em que o imóvel onde o falecido viveu por anos não possuía registro em seu nome?
Nesses casos, conforme o art. 1.206 do Código Civil Brasileiro, é incluído no inventário os direitos e ações da posse do falecido sobre aquele bem imóvel, já que na falta de registro, ele não é proprietário, mas sim possuidor do imóvel.
Art. 1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres.
A transmissão automática da posse aos herdeiros foi reconhecida pela jurisprudência pátria, sendo possível, inclusive, a sua defesa perante atos de terceiros:
CÍVEL – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – FALECIMENTO DO PROPRIETÁRIO – TRANSMISSÃO DA POSSE AOS HERDEIROS – NOTIFICAÇÃO PARA DESOCUPAÇÃO – ESBULHO CARACTERIZADO – COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS. Nos termos do art. 1.784 do Código Civil, é transmitida automaticamente aos herdeiros não só a propriedade, mas também a posse dos bens deixados pelo de cujus. Preenchidos os requisitos previstos no art. 561 do CPC, dentre esses a posse e o esbulho praticado pela requerida, deve ser deferida a reintegração de posse.
(TJ-MG – AC: 10000170622823002 MG, Relator: Aparecida Grossi, Data de Julgamento: 28/03/2019, Câmaras Cíveis / 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/04/2019)
Portanto, no momento do inventário deve-se reunir os documentos da aquisição do imóvel, como o contrato de compromisso de compra e venda ou outros documentos que comprovam que o falecido tinha a posse do imóvel. Assim, é possível que se proceda à partilha dos direitos que o de cujus tinha sobre aquele imóvel. O que acontece, então, é que os herdeiros passarão a ser possuidores do imóvel.
Contudo, o procedimento ideal é abrir o inventário, pedir a suspensão dele por tempo suficiente para regularizar o imóvel. Com o imóvel regularizado e no nome do falecido, é possível “trazer” esse imóvel ao inventário e proceder, assim à partilha dele entre os herdeiros tranquilamente, sem embaraços.
Qual o procedimento para regularização do imóvel e partilha no inventário?
Em outro momento, foi abordado aqui na coluna que o contrato particular de compromisso de compra e venda não é o documento correto para que ocorra a transmissão da propriedade de bem imóvel.
O artigo 108 do Código Civil Brasileiro deixa claro que, se acaso o valor do imóvel for superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no Brasil, a escritura pública é indispensável para a transmissão da propriedade do bem, veja-se:
Art. 108.
Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”.
Desse modo, estando os herdeiros na posse apenas do documento contrato preliminar, devem se dirigir ao Tabelionato de Notas. Lá, será feita, então, a lavratura da escritura pública de compra e venda. Em seguida, os herdeiros devem promover a quitação dos encargos inerentes à transmissão de propriedade de um imóvel, tais como, ITBI e emolumentos cartoriais.
Mas a tarefa de regularização da propriedade de um imóvel e partilha no inventário, não para por aí. Isso porque, alguém só pode ser considerado proprietário de bem imóvel quando o título de transmissão for levado a registro do Ofício de Registro de Imóveis competente, nos termos do artigo 1.245 do mencionado Código Civil Brasileiro.
Qual a jurisprudência dos tribunais sobre a transmissão de um imóvel e a partilha no inventário?
A jurisprudência dos tribunais já se posicionou neste sentido, conforme se verifica no julgado recortado abaixo:
“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO. INSTRUMENTOS PARTICULARES SEM REGISTRO E SEM A MÍNIMA PUBLICAÇÃO. AUSÊNCIA DE POSSE DO EMBARGANTE AO TEMPO DA CONSTRIÇÃO. EXCLUSÃO DA MULTA APLICADA. SENTENÇA REFORMADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. 1. É temerário negociar um imóvel mediante contrato particular sem o menor resquício de publicidade. De fato, se levado em conta que o direito real de propriedade apenas é transmitido com o registro do título translativo no Registro de Imóveis (art. 1.245, § 1º, Código Civil), nada justifica uma negociação imobiliária sem qualquer traço de publicidade (reconhecimento de firma das partes). 2. O instrumento particular sempre servirá de prova irrefutável quanto à data da compra e venda. Se oposto a terceiro que não participou de sua formação (credor penhorante), a datação do instrumento particular deverá obedecer a uma das balizas dispostas no artigo 370 do Código de Processo Civil/73 (art. 409 do NCPC). (…). 7. Sentença reformada. Exclusão da multa aplicada. Inversão do ônus da sucumbência. Apelação provida”. (TRF-3. Ap nº 00308518020174039999. Relator: Desembargador Federal Hélio Nogueira. Data de Julgamento: 12/02/2019).
Além disso, a levantada importância de regularizar a propriedade de um imóvel deixado em inventário para realização da partilha, encontra respaldo na Lei de Registros Públicos. Isso porque, esta lei estabelece o princípio da continuidade dos registros, que é correlato à especialidade subjetiva, somente sendo possível o registro de novo título se houver coincidência na titularidade e qualificação dos titulares do direito real constante na matrícula do imóvel na serventia extrajudicial.

O que é o princípio da continuidade?
Sobre o princípio da continuidade, então, veja-se:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – INVENTÁRIO – LIBERAÇÃO DOS VALORES CONTIDOS NAS CONTAS BANCÁRIAS – AUSÊNCIA DE PENDÊNCIAS TRIBUTÁRIAS – CONCESSÃO – HOMOLOGAÇÃO DE PARTILHA – AUSÊNCIA DE REGISTRO DO FORMAL DE PARTILHA DO GENITOR – PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DOS REGISTROS PÚBLICOS – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1- Inexistindo qualquer pendência quanto às obrigações tributárias e, considerando a alegada dificuldade financeira do agravante para proceder ao registro do formal de partilha do genitor, há de ser concedido o alvará requerido para liberação dos valores dispostos nas contas bancárias dos falecidos. 2- Preceitua o Princípio da Continuidade dos Registros Públicos (contido na lei nº 6.015/73), ser imprescindível o encadeamento entre assentos pertinentes a um dado imóvel e as pessoas neles constantes, formando uma continuidade ininterrupta das titularidades jurídicas do imóvel. 3- Não há como transferir os bens do falecido para os herdeiros se não houve, primeiramente, a transmissão dos bens pelo registro do formal de partilha do genitor de ambos para este. 4- Recurso parcialmente provido. (TJ-MG – AI: 10000180352163001 MG, Relator: Hilda Teixeira da Costa, Data de Julgamento: 18/09/2018, Data de Publicação: 19/09/2018)
Assim, se A, titular do direito de propriedade no Registro de Imóveis, vendeu para B, ainda que por meio de compromisso de compra e venda, e este último vai a óbito, é preciso que A conste no título aquisitivo de propriedade como transmitente deste direito real.
O que levar em consideração ao adquirir um imóvel por meio da partilha no inventário?
De acordo com o exposto, não restam dúvidas acerca da necessidade de regularização da propriedade registral de um bem que compõe o espólio de uma pessoa. Por esta razão, para evitar dor de cabeça futura daqueles que ficarão, sugere-se: ao adquirir um imóvel por meio da partilha no inventário, leve em consideração no planejamento financeiro, além do valor da negociação, a quantia a ser paga para que o imóvel, de fato, passe a ser seu.
Até a próxima.
Escrito por: Andressa Cristine da Silva, com a colaboração de Larissa Schwartz.