Prevaricação: o que é e a investigação de Jair Bolsonaro
Prevaricação é o crime praticado por funcionário público que, no exercício da função, se omite de praticar ato devido para obter vantagem pessoal.
- Destaques Jurídicos
- Athena Bastos
- 06 de julho de 2021
- Atualizado em: 10 de junho de 2022
- Tempo de Leitura: 6 minuto(s)
O que é prevaricação, crime pelo qual o presidente Jair Bolsonaro pode ser investigado
Talvez não seja surpresa a notícia de algum político acusado de praticar ato contrário à sua função. Infelizmente, notícias como esta fazem mais parte do dia-a-dia dos brasileiros do que gostaríamos. Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro, entre inúmeras polêmicas que marcam o seu mandato, envolveu-se em mais um escândalo. Desta vez, então, a notícia foi sua participação em esquema de compra da vacina Covaxin, o que poderia configurar crime de prevaricação.
O país vive um momento delicado. Muito embora o processo de vacinação esteja em andamento nos Estados, não se pode ignorar que o país ultrapassou a faixa de mais de meio milhão de mortos. E é inegável que o cenário poderia ser evitado se as ações adequadas tivessem sido tomadas desde o início. Entre elas está, então, a compra de vacina para distribuição nacional.
Portanto, analisamos melhor o crime de prevaricação no Código Penal, com o intuito de elucidar possíveis dúvidas sobre o atual cenário brasileiro.
O que é prevaricação?
Em primeiro lugar a prevaricação, é um crime previsto no art. 319 integra o grupo de delitos praticados por funcionários públicos contra a Administração em Geral.
Prevaricação é um crime cometido por funcionário público, quando este, no exercício de sua função, deixa de fazer ato de ofício por ele devido, retarda-o ou pratica-o contra disposição legal expressa, com o objetivo de obter vantagem pessoal. Veja, então, a redação do art. 319 do Código Penal:
Art. 319 – Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
Por sua vez, o art. 319-A prevê que o se chama prevaricação imprópria:
Art. 319-A. Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo: (Incluído pela Lei nº 11.466, de 2007).
Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
Quem comete o crime de prevaricação?
O crime de prevaricação é considerado um crime próprio. Ou seja, não é um crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa.
Assim, a lei define quem pode ser sujeito do crime de prevaricação. Portanto, quem comete crime de prevaricação é funcionário público que dificulte ou falte com os deveres de seu cargo, ou pratique atos de ofício, para atender interesses pessoais.
É importante observar, contudo, que a lei não prevê a modalidade de prevaricação culposa.
Qual a diferença entre prevaricação e peculato?
É comum que as pessoas se perguntem qual a diferença entre prevaricação e peculato. Afinal, ambos os delitos são praticados por funcionário público. A diferença, entretanto, está na conduta. Veja, então, a redação do art. 312 do Código Penal:
Peculato
Art. 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.
§ 1º – Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.
Peculato culposo
§ 2º – Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:
Pena – detenção, de três meses a um ano.
§ 3º – No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.
Peculato mediante erro de outrem
Art. 313 – Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
A prevaricação, portanto, pressupõe um dever inerente ao cargo e à competência, seja de fazer ou de não fazer. E pode ser praticada, dessa maneira, pela ação ou omissão do agente. O peculato, contudo, refere-se à apropriação de um valor ou bem, material ou imaterial.
Como é o processo penal para apuração do delito?
Os crimes de responsabilidade de funcionário público, como é o de prevaricação, por exemplo, devem obedecer ao rito dos arts. 513 a 518 do CPP.
Art. 513. Os crimes de responsabilidade dos funcionários públicos, cujo processo e julgamento competirão aos juízes de direito, a queixa ou a denúncia será instruída com documentos ou justificação que façam presumir a existência do delito ou com declaração fundamentada da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas.
Art. 514. Nos crimes afiançáveis, estando a denúncia ou queixa em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do acusado, para responder por escrito, dentro do prazo de quinze dias.
Parágrafo único. Se não for conhecida a residência do acusado, ou este se achar fora da jurisdição do juiz, ser-lhe-á nomeado defensor, a quem caberá apresentar a resposta preliminar.
Art. 515. No caso previsto no artigo anterior, durante o prazo concedido para a resposta, os autos permanecerão em cartório, onde poderão ser examinados pelo acusado ou por seu defensor.
Parágrafo único. A resposta poderá ser instruída com documentos e justificações.
Art. 516. O juiz rejeitará a queixa ou denúncia, em despacho fundamentado, se convencido, pela resposta do acusado ou do seu defensor, da inexistência do crime ou da improcedência da ação.
Art. 517. Recebida a denúncia ou a queixa, será o acusado citado, na forma estabelecida no Capítulo I do Título X do Livro I.
Art. 518. Na instrução criminal e nos demais termos do processo, observar-se-á o disposto nos Capítulos I e III, Título I, deste Livro
Exemplos de crime de prevaricação
O tipo penal do crime de prevaricação é previsto no art. 319, CP, como visto. Contudo, há formas especiais dessa prática. Vejamos, então, alguns exemplos de quem pode praticar este crime:
- Crime contra o sistema financeiro: essa espécie de prevaricação está prevista no art. 23 da Lei 7.492/1986;
- Jurados: previsto no art. 445 do CPP;
- Militares: previsto no art. 319 do Código Penal Militar;
- Crimes eleitorais: previsto no art. 345 da Lei 4.737/1965.
Casos de repercussão pública
No dia 02 de julho, a ministra do STF Rosa Weber autorizou a abertura de inquérito para investigar a participação do presidente Jair Bolsonaro em esquema de superfaturamento na aquisição da vacina Covaxin.
Embora, caso condenado, Jair Bolsonaro seja o primeiro presidente a ser condenado por esse crime, há outros casos de notícia pública sobre o tema.
Conforme relembrando pelo jornal CNN Brasil:
Em 2019, Vanderlei Markus, ex-prefeito de Paverama, no Rio Grande do Sul (90 km de Porto Alegre), foi sentenciado a dois anos e dez meses de prisão em regime aberto por esse motivo, além de subtração de documentos. Ele teria permitido que uma fábrica de alimentos comandada por um apoiador, que não tinha registro no sistema municipal de inspeção nem padrões adequados de higiene, continuasse a produzir e a vender produtos. Ele também tentou dissuadir um funcionário de fiscalizar e adotar as providências para responsabilizar o estabelecimento.
[…]
Em 2015, o tenente-coronel da reserva Moisés Fuchs também foi condenado por prevaricar ao saber que a licença de operação da Boate Kiss, em Santa Maria (RS) estava vencida, mas não tomar nenhuma providência. Em 2013, um incêndio no local matou 242 pessoas.
Acusação de prevaricação do presidente Jair Bolsonaro
No ano passado, muito se falou sobre a possível prevaricação do presidente Jair Bolsonaro e o pedido de impeachment. Então, vamos analisar melhor a situação.
Durante depoimento para a CPI da COVID, no dia 25 de junho, o deputado Luis Miranda (DEM-DF) revelou a suspeita de irregularidades no processo de compra da vacina Covaxin, em virtude de relatos de seu irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda. Luis Ricardo Miranda teria sido pressionado a aprovar a aquisição, mesmo diante de divergências no contrato e na nota fiscal.
Segundo ele, o atual presidente, Jair Bolsonaro, teria, então, informações das irregularidades, optando por ignorá-las. Por esse motivo, os senadores Randolfe Rodrigues, Fabiano Contarato e Jorge Kajuru realizaram notícia-crime, solicitando ao STF para intimar a PGR com o intuito de que esta oferecesse denúncia contra o presente por prevaricação.
Segundo texto da peça (PET 9760):
Conforme já amplamente noticiado pela mídia, a compra de vacinas do mencionado
laboratório levanta uma série de suspeitas, tais como: (i) superfaturamento, já que o valor
contratado para o referido imunizante foi superior ao de todas as outras vacinas adquiridas,
inclusive à do laboratório Pfizer, cujas propostas foram reiteradamente negadas por esse
motivo pelo Ministério da Saúde, até o seu desfecho final ; (ii) escolha do objeto por critérios 2
não técnicos, porquanto a vacina sequer se encontrava, no momento da contratação, aprovada
pela Anvisa ─ o que só viria a ocorrer meses depois e, ainda assim, com uma série de
restrições ; e (iii) intermediação da compra por empresa investigada por outras fraudes e
ilícitos.
A ministra Rosa Weber, enfim, é a relatora da notícia-crime e autorizou a abertura do inquérito no dia 02 de julho de 2021. Contudo, a abertura de processo ainda dependerá de denúncia pela PGR e de autorização da Câmara dos Deputados.